Assim como todos nós, os governos não têm dinheiro infinito para gastar quanto e com o que quiserem. Mas, diferentemente da população, o Estado pode gastar mais do que tem porque tem mais acesso a crédito do que o oferecido às pessoas normais, o que gera a dívida pública e leis, como a do arcabouço fiscal.
O problema é que a dívida pública precisa ser paga e, para quitá-la, é necessário uma fonte de arrecadação. No caso dos governos, essa renda vem, basicamente, dos impostos e do lucro das empresas estatais. Mais do que pagar o que deve, um governo deve conseguir projetar e controlar suas despesas.
Para evitar que governantes gastões torrem a grana do país e façam a dívida pública ser mais cara do que conseguimos pagar, existem as regras fiscais. Não é diferente no nosso país. O Brasil já teve uma série delas, sendo as duas mais recentes o Teto de gastos e o Arcabouço fiscal.
Para que serve uma âncora fiscal?
Em poucas palavras, uma regra ou uma âncora fiscal é uma lei que limita as despesas de um país, de modo que ele não gaste mais do que pode pagar e acabe contraindo mais dívidas do que pode realmente pagar. Tudo isso para manter a responsabilidade fiscal, que é a prática de gastar apenas o que se arrecada. Isso quer dizer que as despesas nunca podem ser maiores do que as receitas.
Se há responsabilidade fiscal, o governo gasta menos do que ganha. Quando as contas estão equilibradas, o governo produz algo chamado “superávit primário”, que é quando o Estado banca todas as suas dívidas e ainda sobra um pouco para o futuro.
Mas, se o governo gastar mais do que arrecada, significa que a dívida vai aumentar com juros e a conta irá chegar no futuro. Nesta hipótese, a dívida pública gera “déficit primário”.
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A situação de déficit primário não é nem um pouco desejável. Entre outras coisas, ela afasta o investimento estrangeiro e faz com que os impostos pagos pelo cidadão percam sua função original, de gerar serviços públicos novos, em vez de pagar pelos antigos.
“A responsabilidade fiscal traz duas coisas: segurança e estabilidade, que são fatores absolutamente necessários para o investidor doméstico e para o estrangeiro. Sem isso, é quase impossível dar cabo a investimentos de longo prazo, já que eles dependem de uma previsibilidade para o futuro”, diz Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.
A especialista menciona a inflação como uma das consequências da irresponsabilidade fiscal: “quando há um desequilíbrio nas contas públicas, os gastos públicos não condizem com a arrecadação e quando as expectativas estão deterioradas, todo o mercado passa a se precaver e os preços passam a aumentar em toda a sociedade”.
Qual a diferença entre o Teto de Gastos e o Arcabouço Fiscal?
Tanto o Arcabouço Fiscal quanto o Teto de Gastos perseguem a responsabilidade com as contas públicas. As duas regras tentam equilibrar as finanças do país, evitar o calote da dívida ao máximo e, ao mesmo tempo, permitir que o Estado brasileiro invista. A diferença entre eles está na execução.
“O teto de gastos era uma opção interessante para conter os gastos públicos à curto prazo porque ele amarra as mãos do governo. A questão é que quando há um cenário de muita imprevisibilidade, os governantes precisam mudar as rotas e repensar algumas medidas na economia”, diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
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Durante o governo Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o teto de gastos foi estourado por diferentes razões em mais de uma ocasião. Ao todo, o rombo estimado foi de R$ 795 bilhões no período. Já a PEC da Transição, aprovada no fim do governo passado, conquistou R$ 145 bilhões a mais do que a regra permitia.
Ou seja, o teto de gastos possuía buracos e, muito facilmente, era possível burlá-lo. Apesar de rígida, a regra era pouco exequível. Isso porque ela impedia que a política econômica se ajustasse a quaisquer necessidades imprevistas ou crises — como gastos com uma pandemia.
Por isso, na prática, o teto nunca chegou a funcionar como planejado, avalia Inhasz. “Também faz parte do jogo político do Brasil que as bases de apoio participem do Orçamento e isso faz com que, em muitas vezes, não seja possível manter muita austeridade porque o governo se vê comprometido com gastos de todos os lados”, acrescenta.
Como o teto de gastos funcionava?
O Teto de Gastos foi instituído em 2017 por meio de uma emenda à Constituição proposta pelo então presidente Michel Temer. A regra geral impunha que as despesas do Estado não crescessem mais que a inflação registrada em doze meses até junho do ano anterior.
O teto incluía despesas obrigatórias da União, dos Poderes Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público da União e Defensoria Pública.
No início, a ideia era que o teto tivesse vigência de 20 anos. Ou seja, durasse até 2036. Porém, a partir do décimo ano, 2026, o presidente da República em exercício poderia alterar o formato de correção dos gastos.
Como o Arcabouço Fiscal vai funcionar?
A nova regra é mais complexa e um pouco mais flexível, apesar de propor punições – coisa que o teto de Gastos não fazia. O arcabouço sugere um intervalo para o crescimento real das despesas primárias, chamado de banda. Estas despesas são os gastos do governo sem contar o pagamento de juros. Os recursos para a educação e saúde estão excluídos dessa regra.
O crescimento dos gastos corresponderá a 70% da variação de tudo que entra no caixa do governo dos últimos 12 meses se a medida for aprovada. Se o montante arrecadado aumentar R$ 100, o governo poderá elevar as despesas em R$ 70, por exemplo.
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A proposta traz, ainda, uma margem para a meta de resultado primário, que é a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta. Esse intervalo vai funcionar nos moldes do sistema de meta da inflação – que tem um teto e um piso.
A Fazenda também estabeleceu um intervalo para o crescimento real das despesas, entre 0,6% e 2,5% ao ano. O objetivo é criar um mecanismo anticíclico, onde em momentos de economia mais fraca, o gasto seria maior.
Mas se o resultado primário de um ano não ficar dentro da margem, a regra de crescimento de gastos será mais restritiva no ano seguinte para evitar descontrole das contas públicas. Na prática, se o resultado primário das contas públicas ficar abaixo da meta, o governo é obrigado a reduzir as despesas para no máximo 50% da expansão da receita no ano seguinte.
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